sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Campinho

Muito provavelmente aqueles com menos de 40 anos não saberão do que se trata. E, ao tomar conhecimento, acharão estranho, sem atrativos, uma perda de tempo.

Talvez tenham uma vaga ideia por intermédio dos quadrinhos do Cebolinha e do Chico Bento em que eles aparecem em algumas histórias jogando bola com outras crianças.

Mas para aqueles que, como eu, passaram parte da infância em um campinho de terra, ah, é uma recordação e tanto!
Até a década de 1970 ou um pouco mais, principalmente no interior do país, havia um considerável número de terrenos baldios que ainda não tinha sido alvo da especulação imobiliária. Eram de tal forma disseminados que em um único bairro poderia haver vários terrenos à espera de serem promovidos a campo de futebol. O que eu frequentava estava a três quarteirões de outro, com outra turma rival. Sim, um dos pontos altos dos campinhos é que as turmas eram rivais.

As crianças que moravam nos quarteirões próximos rapidamente se agrupavam em torno dessa terra de ninguém constituindo-a em sua possessão. A garotada toda era convocada, e em mutirão limpavam minimamente o terreno, construíam as traves e delimitavam as linhas do campo com cal. E se dessem o azar de ninguém ter uma bola de capotão, faziam uma vaquinha para comprá-la. Tudo pronto para o espetáculo!

O meu campinho de infância, na realidade, havia sido um campo com dimensões quase oficiais anteriormente. Isso foi em um tempo em que eu não morava no bairro. Quando cheguei, o Centro de Saúde já havia sido construído e roubara metade do terreno. Sobrou o campinho, no qual jogávamos futebol em times com seis ou sete jogadores.
Entre os frequentadores do campinho havia uma gradação de idades e, consequentemente, de importância. Os mais velhos mandavam nos mais novos. Havia times oficiais. No nosso caso, depois de muita discussão, os mais velhos resolveram batizar o time de Juventus. Cada um contribuiu com uma camiseta nova ou usada que, devidamente tingida de vermelho por uma das mães, tornou-se o uniforme do time.

Os mais velhos participavam do “primeirinho” (como era chamado o time principal), e os mais novos do “segundinho” (o time da molecada mais nova). Entre os mais velhos estavam o Marcão, o Zizo – que morara fora e por um tempo jogou em um time profissional do interior –, o Irineu, o Tuta, entre outros. Os mais novos eram o Tarzan (ironia – ele era magrinho!), o Gentil, o Faeco, o Namoro (o nome correto era Mamoro), o Betinho etc. E tinha os mais novos ainda, entre os quais eu me incluía, juntamente com o Serginho, o Zequinha, o Mário Pão, o Alaor.

Nosso campinho era poliesportivo! Claro, o esporte principal era o futebol. Mas praticávamos também os esportes de temporada. No outono, em função do vento, era tempo de empinar papagaio. Em outras épocas, bolinha de gude, peão, e algum outro esporte mais exótico.

Nas férias de verão, não nos satisfazíamos em ir para o campinho nas manhãs e tardes. Íamos também à noite. Naturalmente ele não era iluminado. Então, brincávamos em frente de mãe de rua. Mas mãe de rua de macho! O cara ou os caras que ficavam na rua podiam entrar na calçada para tentar arrastar a molecada para a rua. E aí, valia tudo: empurrões, tapas, rasteiras e tudo o mais. Brincávamos também de mãe de cinta (por que será que as brincadeiras sempre tinham o nome de “mãe”?). Alguém pensava no nome de um carro ou outra coisa e os demais tentavam adivinhar. Todos segurando a cinta. Quem adivinhasse tinha o direito de pegar a cinta e lascar no lombo do mais próximo, se conseguisse atingi-lo, é óbvio, uma vez que, descoberto o nome, a turma toda saía em disparada.

Mas a brincadeira que dava mais ibope era polícia e ladrão. O pessoal era dividido em dois grupos, sendo que os policiais tinham que descobrir onde se escondiam os ladrões e tentar arrastá-los para um lugar definido como cadeia. E, mais uma vez, tapas, empurrões, rasteiras, às vezes um soco ou outro.

Depois de vários anos de convivência, amizades, brincadeiras, muitas brincadeiras!, mudei-me das redondezas. Fui morar perto de outro campinho que uns primos frequentavam. Mas não era o mesmo. Não era o meu pessoal.

Nunca mais tive um campinho. Eles praticamente não existem mais. Mas se deixei o campinho e não consegui mais voltar, ele não me deixou. Quando passo hoje pelo ginásio de esportes onde existira o campinho, meu coração fica apertado e encolhe.

Hoje, daria tudo para ver as fotos que alguns amigos tiraram no campinho décadas atrás. Ver as carinhas das crianças, ver as roupas sujas de terra, ver o Alaor jogando bola de botina, o Marcão usando bamba, o Betinho correndo atrás da bola de calça comprida; ver como aquele pedaço de terra largado, com mato, um chão todo irregular, com traves tortas, era, não obstante, o melhor lugar do mundo!