quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Desgraça pouca é bobagem!

O trânsito está infernal!

Talvez esta seja a frase que mais se ouve nas ruas das cidades brasileiras, e já foi o tempo em que tal constatação era privilégio das metrópoles.

Coopera com o caos o sem número de carros particulares nas ruas e o sistema de transporte público - ônibus urbanos e mesmo o metrô.
Em se tratando de ônibus, o problema nem sempre está apenas no trânsito, mas no próprio ônibus.

Tempos atrás peguei um ônibus de determinada empresa para retornar de São Paulo a Campinas. Era verão. Final de tarde... no horário de verão.

O ônibus encosta no terminal pontualmente atrasado.

Os passageiros começam a entrar e, quando subo o primeiro degrau, recebo como mensagem de “boas vindas, entre, por favor”, uma onda de ar quente que quase me derruba. Resolvo sair do ônibus e aguardar até o último minuto para entrar.

Ao me sentar e puxar o cinto de segurança... cadê ele? Foi passear! Não estava ali, desapareceu, sumiu, sei lá!!! Fico indignado pelo descaso, mas fazer o quê? Pedir para abrir a porta que eu quero descer???

Todos em seus devidos lugares, sem cinto de segurança, suando às bicas, e então o motorista liga o motor e com ele o ar condicionado. Sim, para efeito de economia, enquanto o ônibus está parado o ar condicionado deve estar desligado.

Começamos a nos deslocar e sinto algo estranho. Continuo com calor. Olho para a orifício acima de meu assento de onde deveria vir o ar refrescante, e nada. Há um ar, sim, mas quente como o restante do ar que me envolve. Espero um pouco. Passados 20 minutos, já na rodovia, resolvo falar com o motorista. Pergunto se pode ligar o ar condicionado, visto que o que está funcionando é apenas a circulação de ar. Ele me responde que já está ligado, e que logo eu e os demais passageiros sentiríamos a temperatura cair.

Nada. Resolvi não falar mais para evitar uma discussão que não traria novidades. Vamos com calor e tudo! Adaptei-me à situação e resolvi ler, ouvir música. De repente, chuva. Bom, pois poderia diminuir a temperatura e nos ajudar. De fato, diminuiu um pouco, mas não ajudou em nada.

Percebo, alguns assentos à frente, que o lugar de onde deveria vir o ar que nos aliviaria torna-se outra coisa: um chafariz! Sim, o ônibus tinha goteiras! E a água começa a entrar, e rola, rola, rola, adivinha para onde? Sim, em minha direção e começa a pingar sobre minha cabeça.

Fazer o quê? Levanto-me e procuro outro assento que não esteja sujeito às intempéries.

E assim transcorre a viagem.

Diferentemente do que sempre faço, ao chegarmos não me dirijo ao motorista com as palavras: “Muito obrigado!” Simplesmente seria muita hipocrisia para com ele e a empresa que representa. Nesse dia, simplesmente não deu. Desgraça pouca é bobagem!

domingo, 17 de novembro de 2013

Voz da alma

Voz da alma

“SENHOR, o meu coração não se elevou, nem os meus olhos se levantaram; não me exercito em grandes assuntos, nem em coisas muito elevadas para mim”.

Sim, já pensei em grandes coisas, desejei ser poderosa e vista com admiração.

Sim, já tracei projetos ambiciosos e planejei altos voos.

Sim, já me vi como o centro das atenções e motivo de comentários elogiosos.

Sim, já me senti saudável e invencível.

Mas minha alma adoeceu.

Meu corpo enfraqueceu.

Minha mente teima em ser dispersa e rebelde.

Encolhi e temo a escuridão.

Não consigo me definir.

Olho para mim e não me reconheço.

Sinto medo de minha imagem e de minha voz desfiguradas.

Flutuo sobre minha pobre vida e sinto-me desamparada.

À minha voz titubeante une-se outra voz.

Som inarticulado que despreza meus ouvidos.

Voz que fala ao coração.

Voz que ecoa de tempos primordiais e chega a mim.

Convite à quietude e à entrega.

Chamado ao abandono e ao reencontro.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Crianças, ah... crianças!

O mundo infantil é fascinante. A simplicidade, a falta de orgulho, de preconceitos, de cobiça por vezes chega a emocionar.
A gente olha a molecada e pensa: caramba, eles vivem em outro mundo! Um mundo de sonhos, de tempos e espaços diferentes daqueles dos adultos.

Mas não nos enganemos. As crianças também levam a vida a sério. E como! Prometeu? Cumpra! Falou? Não volte atrás! Sim é sim! Não é não! Nada de falas e piadinhas com duplos sentidos. A criançada não está para brincadeira. Dou dois exemplos.

Quando meu filho Timóteo era pequeno, sempre ia conosco ao Supermercado. Primeiro e até aquele momento único filho, eu e Cláudia o levávamos em quase todos os lugares em que íamos.

Passa por um corredor, olha um produto, vira pra cá, vira pra lá e, de repente, mesmo que tentássemos evitar, lá estava ele... o corredor dos brinquedos! Resultado? O pedido:

- Mãe, compra pra mim?

E a resposta, quase sempre a mesma, em um misto de verdade e resolução pragmática do problema:

- Mamãe não tem dinheiro agora, filho!

Certo dia Timóteo, ao ver aquele brinquedo sem o qual definitivamente não conseguiria mais viver, tomado de desejo e necessidade, mas lembrando do que a mãe já havia dito vezes sem conta, soltou, em alto e bom som, no meio do corredor repleto de pessoas a frase:

- MÃE, QUANDO A SENHORA TIVER DINHEIRO, COMPRA PRA MIM?

Saí de perto como se nunca tivesse visto aquela criança na vida, abandonando egoisticamente Cláudia à sorte que o destino de mãe lhe reservava.

O segundo exemplo vem do final dos anos oitenta. Naquela época eram comuns os restaurantes vegetarianos. Aproveitando a comida saudável e mais barata, comíamos com frequência neles. E Timóteo conosco.

Ele ainda não conhecia as variações, classificações e categorias de restaurantes. Para ele, era um lugar onde havia comida, e pronto. Em uma ocasião em que estávamos no centro de Joinville fazendo compras, resolvemos almoçar em um restaurante vegetariano. Depois de caminharmos bastante, estávamos os três cansados, principalmente o pequeno Timóteo.

Entramos no restaurante cheio e com dificuldade conseguimos uma mesa. Como o serviço era self service, Claudia pegou a comida para Timóteo, enquanto esperávamos sentados. Ao ver o prato diante de si, cheio de folhas, tomates, brócolis e pedaços de carne de soja, o cansado e faminto Timóteo não suportou e, indignado, expressou seu desejo de modo que todos, pais e fregueses pudessem ouvir:

- QUERO CARNE! QUERO CARNE!

Nesse exato momento nos tornamos o centro das atenções no restaurante. O tempo congelou, e era possível sentir no ar o peso da pergunta: - quem fez pedido tão absurdo?

Com o desejo de sair correndo dali, mas sem poder, e não conseguindo articular qualquer desculpa, o que definitivamente seria pior, restou-nos permanecer sentados procurando fazer de conta que nada tinha acontecido e, ao mesmo tempo, esclarecer o jovem cliente da impossibilidade de atendermos seu pedido.

Pois é. As crianças levam a vida a sério, MUITO A SÉRIO!

sábado, 2 de novembro de 2013

Sou médico!

Na época em que morei em Joinville, SC, com certa frequência eu e Cláudia íamos para Itapetininga, SP visitar os familiares.

A viagem durava cerca de oito horas até São Paulo, e de lá mais duas horas e meia até Itapetininga. Normalmente viajávamos à noite, na esperança de dormir um pouco. Mas aqueles que ainda se lembram dos ônibus convencionais da Itapemirim dos anos oitenta sabem que havia pouco de realidade nessa esperança.

Em uma dessas viagens em que eu estava sozinho, no meio da madrugada o passageiro que viajava ao meu lado começou a passar mal, e em seguida sofreu um ataque epiléptico. As convulsões faziam com que batesse repetidamente a cabeça no banco da frente.

Despertado no meio da noite, minha reação diante de tal cena, assim como de todos os que estavam próximos, foi saltar para a frente ou para trás, para longe daquilo que não entendíamos. Felizmente a pessoa se restabeleceu rapidamente e a tranquilidade voltou. E achei outro lugar para sentar.

Pouco tempo depois, nova crise, agora mais violenta.

Pancadas mais fortes no assento, em uma coreografia de dar arrepios. Nova perplexidade e temor coletivos, acompanhados de uma imobilidade geral. Até o momento em que ouviu-se uma voz do fundo do ônibus, que se aproximava rapidamente do centro da crise: - "Com licença, sou médico!". - "Licença, sou médico!".

Pedido atendido, socorro prestado, paciente mais tranquilo, continuamos a jornada até a próxima parada. Ali a vítima foi encaminhada ao hospital da cidade para atendimento e todos ficamos mais aliviados.

Enquanto tomava café e esperava o retorno da viagem, o médico aproximou-se de mim puxando conversa.

- Situação complicada a do moço, não?

- É verdade, mais ainda bem que você estava no ônibus.

- Pois é, mas... sabe, se eu dissesse realmente o que faço, o pessoal não me deixaria atender o rapaz.

- Sério? Por quê? O que você faz?

- Sou veterinário.