terça-feira, 10 de novembro de 2015

Papai Noel, me salve!

Em conversa com amigos dias atrás, dei-me conta do tamanho da crise que me envolve.

Não se fala e falou nada além de política durante todo este ano de 2015 (um pouquinho de futebol também, devo reconhecer). Economia em queda, inflação aumentando, dólar lá em cima. Esquemas de corrupção que envolvem políticos e empresários nos mais diversos níveis, escândalos e investigações com nomes criativos: Mensalão, Lava Jato, Zelotes, Petrolão, Pixuleco, My Way, Juízo Final e assim por diante.

Como assim, perguntaria o recém-saído de uma caverna, ou mesmo um etê curioso com a barulheira (e panelaços) que envolve a população e políticos em geral? Como podem as lideranças do país, ocupando presidências as mais variadas, cargos eletivos, membros de comissões, inclusive uma chamada de “ética”, estarem sendo investigados pelos mais diversos delitos? Logo eles que nos representam e que fazem as leis do país? Que deveriam ser exemplo e reserva ética para a nação?

Foram-se os tempos em que pensava-se ensinar moral e civismo por meio de matérias escolares obrigatórias intituladas “Educação, Moral e Cívica”, “Organização Social e Política Brasileira” e “Estudos de Problemas Brasileiros”. Elas não são mais necessárias. Mais do que nunca podem ser conferidos diariamente nos meios de comunicação o tipo de moral, civismo e postura política que nossos representantes têm assumido pragmaticamente. É um show de criatividade e dinamismo!

E, para piorar, lembro-me que lá nos idos do final dos anos 1980 Cazuza decretou que “Meus (nossos) heróis morreram de overdose”. Mesmo Chapolin Colorado, com sua sabedoria e astúcia, não está mais entre nós. E aí, como fica? Como eu fico? Sem políticos para me representar, sem heróis para me defenderem, estou sozinho!

Mas, como estamos em novembro, e dezembro está vindo por aí, lembrei-me, sim, lembrei-me dele, o velhinho bonachão, Papai Noel!!!

Sim, ele não há de me faltar. Afinal, nunca faltou (Embora em alguns anos, devo confessar, tenha deixado uma ponta de decepção). Mas ele sempre vem. O velhinho sempre vem. “Santa Claus is coming to town!”, cantamos todo ano e cantaremos este ano novamente.

Ele trará presentes, música, bebidas, noitadas, encontros e, com sua roupa vermelha e branca impecável, ora no trenó, ora na direção do caminhão da bebida que tem sabor de natal, irá apregoar salvação a todos.

Serei feliz de novo! Esquecerei as roubalheiras, os políticos corruptos, as injustiças, a humilhação sofrida pelo povo pobre. Verei filmes sobre o natal na televisão, assistirei milhões de propagandas na TV oferecendo milhares de presentes. Irei ao shoppings e meus olhos se maravilharão com as luzes e as cores.

Afinal, o sorriso e a bondade do bom velhinho são irresistíveis, não é mesmo?

O que pedirei ao pé do ouvido ao Papai Noel? – Querido Papai Noel, que no ano que vem todo mês seja dezembro!

No Brasil, no meu Brasil, meu último e resistente herói é o Papai Noel. Não restou nenhum outro. Ele me restitui a alegria e orgulho de ser brasileiro!

sábado, 7 de novembro de 2015

Jean e Italo

“Todo o nosso presente era feito de passado”, escreve o moçambicano Mia Couto em um de seus livros. Passado que se reflete em influências recebidas durante a existência e que se materializam no presente.

Dentre essas influências, certamente a leitura é uma das mais intensas. Vamos constituindo uma memória de leituras, algumas conscientes, outras não, que acaba por se tornar critério para escolhas e opções que surgem no decorrer de nossa jornada. Nem sempre temos consciência do processo ou de autores específicos a quem devemos gratidão.

Há dois a quem conscientemente sou devedor. Jean e Italo.

Eles influenciaram minha vida em momentos distintos. Embora diferentes em muitos aspectos, minha vida tornou-se o ponto de contato entre eles. E a partir daí passei a identificar algumas afinidades que partilhavam.

Ambos eram homens tímidos. Evitavam o contato com muitas pessoas, preferindo o silêncio das bibliotecas e o prazer solitário da escrita. No entanto, as exigências impostas ao primeiro, e decorrentes das opções assumidas pelo segundo, os levaram a se tornarem pessoas públicas.

Ambos eram escritores e produziram uma obra volumosa e de grande aceitação.

Ambos morreram prematuramente. Jean, pouco antes de completar 55 anos. Italo cerca de um mês antes de fazer 62.

Jean surgiu em minha adolescência, momento de definições existenciais. Ler sua biografia foi como acender uma luz que direcionou minhas incertezas a um porto seguro. Em seguida, outros de seus escritos trouxeram referências para a auto compreensão e a conexão com aqueles que me cercavam e com o mundo. Sua escrita sóbria, sem pompa, humilde e ao mesmo tempo profunda, tornou-se uma referência contra riscos futuros.

Italo chegou posteriormente, momento final de meus estudos. Consciente de minhas limitações, procurava caminhos e mentores para melhorar a escrita. Lê-lo foi como passar por um banho de elegância, de simplicidade, de exatidão, cada palavra exercendo seu poder e magia em plenitude. Tal estilo era tudo que desejava para meus textos.

Jean e Italo. O primeiro, o reformador e teólogo francês do século XVI. O segundo, o escritor cubano de nascimento, mas italiano de vida e coração, da segunda metade do século XX.

Jean Calvin, conhecido entre nós, brasileiros, como João Calvino e Italo Calvino.

Meus dois Calvinos.

Com eles, posso dizer que meu presente é feito de passado. Influências profundas e mestres presentes.