quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Aimoré

Acordava cedinho, com a ansiedade espantando o sono e impedindo que meu corpo permanecesse sob as cobertas.

Como era difícil esperar o tempo passar! Até que, enfim, ouvia o carro parar em frente de casa. Saía em disparada para recebê-lo. Depois dele conversar com meus pais e de tomar o café passado na hora no coador de pano, saíamos finalmente.

Meu tio morava em Sorocaba e ia a um rancho próximo a Angatuba para pescar no rio Paranapanema. Como minha casa em Itapetininga ficava no meio do caminho, não havia maiores dificuldades para me levar.

Geralmente ele trazia dois sobrinhos que também moravam em Sorocaba. E nós, três crianças entre os 10 e 12 anos, e ele, ex-pracinha, veterano da Segunda Guerra Mundial, tão diferentes em idade, formação e experiência, nos uníamos em torno da pescaria. Ele, procurando sossego, paz, silêncio; nós, em busca de experiências, do desconhecido, da diversão. Ele, com paciência nos compreendia e ensinava; nós, com perplexidade o admirávamos e aprendíamos.

Às vezes dormíamos no rancho à beira do rio. Feito de madeira, muito simples, com dois beliches, um pequeno fogão e apetrechos de pescaria, o rancho se tornava nosso refúgio, onde nossa imaginação criava asas. Levantar com o nascer do sol, sentir a neblina sobre a água enquanto o barco deslizava suavemente era uma experiência e tanto. Apenas suplantada pela explosão de alegria quando pegávamos um peixe.

E ele, homem solitário, com imagens e sombras de um passado distante mas sempre presente em sua mente e coração, profundas demais para serem verbalizadas, com seu jeito direto e objetivo de agir, nos ensinava, nos corrigia, permitia que crescêssemos à sua sombra.

Na adolescência desejei ser militar. Até prestei concurso para uma escola militar. Com o tempo abandonei essa vocação. Mas a experiência me lembra como ele marcou minha vida.

Anos atrás, quando recebi a notícia de sua morte, fiquei muito triste, ainda mais por não ter podido vê-lo pela última vez em vida. Vida que, com suas muitas obrigações e compromissos, acabou por nos distanciar. Restou o último olhar para seu corpo sem vida.

Ele continuava o mesmo. Feição impassível, séria, com ar de quem viveu muito e viu coisas que um ser humano não precisaria ter visto. Ao dar adeus àquele homem que admirei tanto, e que naquele momento me culpava por não ter revelado a ele tal sentimento, senti, mesmo que ingenuamente, em seu silêncio, o convite para ir pescar ao nascer do sol.