sexta-feira, 25 de julho de 2014

Meus amigos livros

Sempre nutri uma paixão quase irresistível por livros.

Quando estudante, gastava praticamente tudo o que tinha (infelizmente era pouco) com livros. Enquanto amigos iam ao cinema, ao shopping, compravam roupas... eu comprava livros.

Mais tarde, já profissional, vários colegas investiam em roupas de grife, em restaurantes caros etc. Eu? Continuava comprando livros.
Com o tempo, comecei a ter crise de consciência, potencializada pelas opiniões de alguns que me cercavam: por que comprar tantos livros, se certamente não lerei todos? Quantos livros eu já li dentre os que possuo? Por que continuar comprando livros?

Embora agoniado, nunca me dei por vencido. Continuei comprando livros. Em certos períodos mais, em outros menos. Mas sempre ligado aos livros.

Tempos atrás racionalizei algo que já tinha intuído a muito tempo. Livros são como amigos. Gostamos de tê-los por perto. Ao lê-los, sentimos prazer, alegria, somos enriquecidos. Mas mesmo quando não os lemos, eles continuam, como os amigos, ao nosso lado, disponíveis, prontos a uma intervenção quando chamados.

Há, de fato, em minha biblioteca livros que nunca li. Mas isso não os faz desnecessários ou mau investimento. Enquanto esperam ser abertos e sorvidos, eles continuam, em seu silêncio, dizendo-me: - Estou aqui. Obrigado por me comprar. Quando precisar, qualquer que seja a hora, qualquer que seja o estado da tua alma, basta abri-me e conversaremos. Você me lerá, eu te lerei, e aprofundaremos nossa amizade.

E eu, o que respondo? Concordo respeitosamente. Olho para meus livros, aqueles que já li várias vezes, e aqueles que ainda não li e sinto-me confortado. Sei que há pessoas que julgam que os livros me fazem perder espaço em minha casa, sem proveito, principalmente aqueles que nunca li ou mesmo abri. Mas eu sei que eles aguardam o momento certo, a situação adequada para se revelarem a mim. Eu os respeito, eles me respeitam. Nutrimos um sentimento de gratidão mútua e convivemos harmoniosamente.

Hoje não sinto crise nenhuma por ter livros que ainda não li. São meus companheiros, meus amigos, que considero e admiro. Sinto-me privilegiado e tenho o maior orgulho e prazer em poder levá-los comigo durante a vida. Meus amigos livros.

Olha o sorvete!

Manhã de inverno na fria Itapetininga.

João Guilherme, a prima e duas amiguinhas insistem em ir à pista de skate e, por fim, cedo aos pedidos e vamos todos para lá. Além do frio, o tempo está úmido pela chuva que caiu durante a noite. Sento encolhido em um canto buscando esconder-me do vento e as crianças brincam.

Enquanto olho desatento para as crianças e outros dois meninos em suas manobras, vejo à distância um sorveteiro com seu carrinho se dirigindo para a pista. Claro, ele viu as crianças e resolveu dar uma investida. Com os meus não conseguirá nada. Mesmo que peçam. Está muito frio!

Começo a navegar pela internet com o celular. Quando levanto os olhos, eis que o sorveteiro está sentado em um banco e os dois meninos que já estavam na pista estão sentados ao lado dele. E chupando sorvete!

Surpreendi-me, não apenas com a venda bem sucedida, mas principalmente com o fato de que os dois meninos travavam uma conversa animada com o sorveteiro. Pensei: serão vizinhos, conhecidos, parentes? Pode ser. Ou então se conheceram naquele momento. Momento de descansar da caminhada, de interromper as manobras, de sentar e, sem pressa, conversar. Fiquei curioso com o tema do bate papo.
Estava longe e não conseguia ouvir nada. Mas o que uma pessoa de idade, um sorveteiro, teria para falar a dois meninos skatistas? Não faço a mínima ideia. Mas eles conversavam de forma prazerosa.

Fui tocado pela cena. Nela não havia velho e criança. Sorveteiro e skatista. Pessoas não desempenhavam papeis, como é comum em nossa sociedade. Havia, sim, seres humanos trocando experiências, aprendendo uns com os outros, falando desavergonhadamente e sem pressa. Curtindo a venda dos sorvetes, curtindo chupar sorvetes, curtindo uma manhã fria do inverno itapetiningano.