sexta-feira, 10 de abril de 2015

João

Era para ser Cesário, do meu avô, homenagem de meu pai. Avô que não conheci. Cesário do meu primo, nascido antes de mim. Homenagem de meu tio. Cesário não. Pra que duas homenagens? João Cesário.

João de São João. Não o evangelista. Mas aquele que perdeu a cabeça, ou melhor, que teve a cabeça decepada por ordem de Herodes. João Batista. Vinte e quatro de junho. Inverno, frio. Tempo de pinhão, batata doce, quentão. Quem nasce nesse dia? Joões. Dia de São João Batista. João.

Leonel. Brisola? Ouço a pergunta desde pequeno. Sim, repito desde muito, somos parentes distantes. Mas ele é Leonel Brisola, eu sou João Cesário Leonel. Entenda! Ele, o político importante, tinha Leonel como primeiro nome. Eu, o parente desimportante, tenho o Leonel como sobrenome.

E tem Ferreira. Meio sem importância. O sobrenome composto é estranho. Leonel Ferreira. Por alguma razão a família prioriza o Leonel em detrimento do Ferreira. Isso não teria importância e passaria despercebido não fosse o problemático Sr. Ferreira e Sra. Leonel.

Casados? Como? Possuem sobrenomes diferentes! E aí é que o Ferreira precisa ser explicado. Ele não tem importância, mas dá trabalho. Sim, minha esposa recebeu apenas um sobrenome de minha parte – hoje não precisaria receber nenhum – e escolhemos o Leonel. Eu fiquei com os dois, Leonel Ferreira. Então, quando algum documento é emitido, o dela vem Sra. Leonel e o meu Sr. Ferreira. Em geral a explicação cansa o inquiridor.

João Cesário Leonel Ferreira. Nome oficial, mas quase nunca usado ou proferido. Na infância, ouvir o nome completo ser pronunciado por minha mãe, em tom exclamatório, era certeza de encrenca, se não de uma boa surra. Fora isso, Joãozinho para os familiares quando pequeno, João, para os mesmos familiares, quando já mais crescido. E também para colegas de escolas e amigos de Itapetininga.

A partir de um certo momento, por achar João muito comum, decidi complementá-lo e ao mesmo tempo simplificá-lo: João Leonel. Assim, em um passe de mágica, eliminei os dispensáveis Cesário e Ferreira, que deixam o nome longo demais, e me limitei ao mais importante. O nome herança do pai, e o nome escolha pessoal.

Passo seguinte, resolvi por conta própria priorizar o Leonel assumindo-o como primeiro nome, embora, quando me questionam, cumpro a obrigação de esclarecer que o nome mesmo, o da infância e da família, é João.

Atirador Leonel. Eis a dica que permitiu a mudança. No interior, serviço militar é feito em Tiro de Guerra. E aí, atirador Leonel deu a deixa e a coragem para eu assumir o Leonel. E lá se vão décadas. O atirador ficou para trás, permaneceu o Leonel. No entanto, até hoje, quando meu nome é pronunciado completo, os amigos do Leonel não conseguem ligar pessoa e nome. Fazer o quê. Explico depois.

Devo reconhecer que hoje sinto saudades do João. Saudade que é mitigada com os poucos amigos de antigamente que me chamam assim, e por minha esposa, que resistiu a todos os outros nomes e manteve-se firme ao João.

João, Cesário, Leonel, Ferreira. Meu nome. Minha história.

domingo, 5 de abril de 2015

Ressurreição... hoje

“E por que devo eu continuar arriscando a vida de forma tão perigosa? Encaro a morte praticamente todos os dias. Acham que eu faria isso se não estivesse convencido de que nossa ressurreição está garantida pelo Senhor ressuscitado? É a ressurreição que motiva minhas palavras e ações, a minha vida.” (1 Coríntios15.30-32, A Mensagem).

A ressurreição de Jesus Cristo é um fato histórico. A igreja cristã desde seus primórdios creu, afirmou e reafirmou essa frase. Um dos primeiros documentos de fé da igreja, o Credo Apostólico, afirma: “Creio em Jesus Cristo [...] o qual [...] ressurgiu dos mortos ao terceiro dia”.

A ressurreição dos mortos, segundo os teólogos, une Cristologia (estuda a pessoa e obra de Jesus Cristo), Soteriologia (trata da salvação) e Escatologia (estudo dos últimos tempos e da segunda vinda de Jesus).

A ressurreição de Jesus Cristo baseia-se na afirmação de cristãos que dizem terem visto e ouvido o ressurreto. Por isso mesmo, ela foi e é alvo de críticas por ateus, cientistas e outros, uma vez que restou apenas a tumba vazia e o testemunho de alguns homens e mulheres, que foram tidos como ignorantes submetidos a forte tensão emocional, o que teria produzido visões e audições imaginárias.

A cristandade vive um início de século de tristeza e sangue. Cristãos por todo o mundo passam por sofrimento. Cristãos africanos, cristãos asiáticos, cristãos do Oriente Médio, cristãos nas Américas. Há também os assassinatos de cristãos por grupos radicais. Homens cristãos são retirados de seus lares e locais de trabalho para serem brutalmente decapitados ou queimados até a morte. Mulheres e meninas cristãs são vendidas como escravas. Bebês cristãos têm seus crânios esmagados por bestas inumanas.

Muitos deles são pessoas humildes, pobres, de pouca instrução. Pessoas que lutam para viver, e que tem sido assassinadas sem escrúpulos, cujas mortes são tratadas, em termos políticos, como conflitos entre minorias raciais e religiosas.

A ressurreição pode ser provada? Não, não pode. Mas pode ser vista.

Vejo na morte de cada cristão africano, de cada cristã árabe, de cada criança asiática a ressurreição abrindo as trancas da história e invadindo a realidade humana. Vejo no chão banhado com o sangue dos inocentes o perfume de vidas que se elevam para a presença de Deus. Vejo no choro doído de pais, mães, filhos, irmãos e amigos o introito para as canções de louvor dos cristãos ressuscitados no último dia.

Sim, a ressurreição é um fato histórico. Ela tem sido provada desde o passado mais longínquo até o dia de hoje por pessoas que, por amor a Jesus Cristo, relativizam bens, vida social, conforto, segurança, a própria vida. Por aqueles que entendem que, em certos momentos, muito concretos, é preciso perder a vida para ganhá-la.

Sim, a ressurreição é um fato histórico!

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Túmulos

“... o depositou num túmulo aberto em rocha, onde ainda ninguém havia sido sepultado” (Lucas 23.53).

“abriram-se os sepulcros, e muitos corpos de santos, que dormiam, ressuscitaram” (Mateus 27.52).

Túmulos, sepulcros, são feitos para abrigar corpos sem vida. Parcela de seres humanos que viram encerrada sua trajetória nesta terra, alguns de forma pacífica, tranquila, outros de modo inusitado, violento, inesperado.

Túmulos e cadáveres. Um foi feito para o outro. Um, sem o outro, incompleto, sem proveito, sem sentido.

No entanto, a narrativa evangélica relata um túmulo a espera de um corpo e túmulos que perdem seus corpos.

Com a morte de Jesus é necessário pensar onde seria sepultado. José de Arimateia, discípulo rico do mestre galileu, se prontifica e oferece o túmulo que havia preparado para depositar seu corpo, em um futuro incerto quanto ao tempo, mas certo quanto ao fato.

Um túmulo novo, cheirando bem, limpo, guardando ainda as formas e impressões das mãos vivas de seus construtores. Um túmulo seguramente construído com requinte, luxo de um homem rico, receberá um jovem rabi do norte, pobre, humilde, que em sua jornada por trilhas, estradas e ruas, não havia tido tempo para pensar onde seu corpo de dores descansaria quando a vida enfim lhe fosse tirada. No túmulo do rico seria depositado o corpo do pobre.

Outros túmulos, antigos, semidestruídos, tristes pelo esquecimento, corroídos pelo vento e erosão, expressão externa da ação do tempo ocorrida igualmente nos corpos que os habitaram em tempos idos.

Túmulos novos, recém construídos, belos, alguns imponentes, com a presença integral de seus ocupantes ou ainda guardando resquícios daquilo que foram em vida.

Todos eles são abertos inesperadamente, violados em seu silêncio, em suas trevas, em seu vazio. Perdem seus ocupantes, perdem a razão de ser.
É necessário que um túmulo receba o intruso para que outros túmulos sejam abandonados por seus moradores. Túmulos confusos, espaço ocupado, espaços vazios, não sentido.

Sexta-feira. Cai a tarde. As trevas começam a ocupar espaços, corações, túmulos. Um, violado pela presença não desejada. Outros, tristes pela partida daqueles que lá deveriam permanecer para sempre.