segunda-feira, 18 de maio de 2015

Aquele sorriso estranho

Dia desses em que voltava no final de tarde início de noite de São Paulo, onde trabalho, para Campinas, onde moro, já dentro da cidade o ônibus fretado seguia seu percurso habitual. Entre viradas, e descida de passageiros, dobradas, e nova descida de passageiros, e retas, com a habitual descida de passageiros, ele entrou na rua Andrade Neves e subiu em direção ao Castelo.

Estava sonolento. Naquela noite havia dormido apenas uma hora, consequência de um texto que deixei para fechar na última hora. Ia meio desatento, afinal, o caminho era o mesmo, as paradas, as mesmas, as descidas, as mesmas.

O ônibus parou no Castelo em frente a uma pequena casa de shows, com uma porta de entrada estreita. Nada de mais. Ele sempre para ali e a casa de shows continua no mesmo lugar. Mas naquela noite foi diferente.

O pessoal começa a descer e olho para fora distraidamente. Vejo ao lado da porta da casa de shows um homem vestido de cangaceiro, com chapéu e tudo, braços cruzados, sorrindo. Tudo bem, ele deve estar recepcionando os clientes e nada como um sorriso para cativar os que chegam, pensei.

Sorrindo para mim. Interrompi o olhar que vagava de um lugar para outro e fixei naquele homem. Ele sorria para mim! Por que para mim? Havia gente andando pela calçada, além daqueles que haviam descido do ônibus. Bastante movimento, bastante gente. Muita gente para ser olhada. Mas ele continuava olhando para mim através da janela do ônibus. Fiquei encabulado, desviei o olhar.

Recolhi o olhar para dentro do ônibus, para o pessoal que continua descendo; olhei o filme que estava acabando, dei uma conferida na bolsa. Alguns segundos depois, tempo suficiente para despistar o cangaceiro, voltei a olhar, como quem não quer nada, para fora pela janela e... ele continuava sorrindo para mim! – Caramba, que cara chato! Quer me deixar sem graça, certamente. E deixou! Não olhei mais. Ele havia vencido a guerra de olhares.

O ônibus começa a se mover lentamente, após desembarcar o pessoal que não via a hora de chegar em casa. Começo a pensar na minha noite, no banho, em comer alguma coisa, no descanso. Mas não resisto, dou uma última e derradeira olhadela para trás. Quero ver meu algoz, o cara que me deixou constrangido. Olho e vejo. Não, não o vejo. O que vejo é a silhueta de um homem, em tamanho natural, feita de papelão, o verso de um cartaz fixado na porta da casa de shows. Certamente ele continua sorrindo.

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