sábado, 7 de novembro de 2015

Jean e Italo

“Todo o nosso presente era feito de passado”, escreve o moçambicano Mia Couto em um de seus livros. Passado que se reflete em influências recebidas durante a existência e que se materializam no presente.

Dentre essas influências, certamente a leitura é uma das mais intensas. Vamos constituindo uma memória de leituras, algumas conscientes, outras não, que acaba por se tornar critério para escolhas e opções que surgem no decorrer de nossa jornada. Nem sempre temos consciência do processo ou de autores específicos a quem devemos gratidão.

Há dois a quem conscientemente sou devedor. Jean e Italo.

Eles influenciaram minha vida em momentos distintos. Embora diferentes em muitos aspectos, minha vida tornou-se o ponto de contato entre eles. E a partir daí passei a identificar algumas afinidades que partilhavam.

Ambos eram homens tímidos. Evitavam o contato com muitas pessoas, preferindo o silêncio das bibliotecas e o prazer solitário da escrita. No entanto, as exigências impostas ao primeiro, e decorrentes das opções assumidas pelo segundo, os levaram a se tornarem pessoas públicas.

Ambos eram escritores e produziram uma obra volumosa e de grande aceitação.

Ambos morreram prematuramente. Jean, pouco antes de completar 55 anos. Italo cerca de um mês antes de fazer 62.

Jean surgiu em minha adolescência, momento de definições existenciais. Ler sua biografia foi como acender uma luz que direcionou minhas incertezas a um porto seguro. Em seguida, outros de seus escritos trouxeram referências para a auto compreensão e a conexão com aqueles que me cercavam e com o mundo. Sua escrita sóbria, sem pompa, humilde e ao mesmo tempo profunda, tornou-se uma referência contra riscos futuros.

Italo chegou posteriormente, momento final de meus estudos. Consciente de minhas limitações, procurava caminhos e mentores para melhorar a escrita. Lê-lo foi como passar por um banho de elegância, de simplicidade, de exatidão, cada palavra exercendo seu poder e magia em plenitude. Tal estilo era tudo que desejava para meus textos.

Jean e Italo. O primeiro, o reformador e teólogo francês do século XVI. O segundo, o escritor cubano de nascimento, mas italiano de vida e coração, da segunda metade do século XX.

Jean Calvin, conhecido entre nós, brasileiros, como João Calvino e Italo Calvino.

Meus dois Calvinos.

Com eles, posso dizer que meu presente é feito de passado. Influências profundas e mestres presentes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário