sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Dentista

Pensei no título. Uma palavra só? Acho que vou acrescentar alguma coisa. Tipo... sei lá. Na realidade, essa palavra não precisa de companhia. Não é mesmo? Dentista! Ela é poderosa o suficiente para subsistir por si mesma.

Lembrei-me disso dias atrás, quando fui ao dentista. Não tem como não associar uma ida a outras idas. Mergulhei no passado, nas memórias terríveis desse evento aterrador.

No primário havia atendimento odontológico na escola pública. Gratuito. E lá vou eu, com meus 10 ou 12 anos, sozinho, ao dentista. Por questões mitológicas, psicológicas, antropológicas e outras tantas, a sala do dentista ficava no segundo andar, em um canto separado de tudo e de todos, tipo castelo do conde drácula, envolto em névoas, isolado do mundo.

Chego cedo e aguardo minha vez. Enquanto isso, dou uma espiada e vejo sentada na cadeira uma menina, que pelos trajes dela e de seus pais à sua volta deveria ser da zona rural, ou da roça, como dizíamos.

Ela está aos gritos, lutando com o dentista. Ele tenta sem nenhum êxito inserir um instrumento enorme, com uma agulha igualmente enorme, na boca da menina. Ela grita, esperneia, bate. Os pais, bem... eles tentam fazer alguma coisa, sem saber ao certo o quê. Por fim, a menina, vitoriosa, consegue fugir da cadeira e sai correndo do consultório. Passa por mim mas não me vê. Eu a vi.

Ouço o dentista dizer uns impropérios. Saem os pais totalmente encabulados. Momentos depois ouço, em meio ao silêncio que se instaurou, do fundo da sala, que naquele momento se tornava uma masmorra reservada para os mais terríveis açoites e inimagináveis torturas: – Próximo!

No momento seguinte, aquele que seria o próximo, EU, estava descendo, ou melhor, quase rolando pelas escadas em direção à saída da escola. Em meu desespero, quase ultrapassei a menina que me antecedeu.

Décadas depois, estou sentado, com a boca aberta, mãos cruzadas, corpo tenso, olhando para um teto branco e infinito. E ainda ouço a pergunta: - Acho que não precisa de anestesia, né?! Lembro da menina.

Consigo sair vivo. Sempre saio vivo. Mas levo mais uma lembrança de dentista. DENTISTA.

Onde estará a menina? Será que ela lembra daquele dia? E se ela nunca mais voltou ao dentista? Imagina! Uma pessoa já madura, afundada em uma cama ou sofá, isolada do mundo, com um único e torturante pensamento: Dentista! Dentista! Dentista! Eu a entenderia.

Mas e se, por outro lado, ela venceu o medo e agora desfila sem traumas e sequelas pelos gabinetes odontológicos do Brasil e do mundo afora? Sorridente, mostra a tudo e a todos as maravilhas que os homens de branco fizeram e fazem em sua boca.
Se a encontrar direi, sem titubear: traidora!

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