terça-feira, 17 de março de 2015

Alice

“Eu preferia estar com câncer”.

Em um momento de abertura de coração, em que a força utilizada para enfrentar a rudeza da doença é canalizada para permitir que os sentimentos mais profundos da alma venham à tona, Alice desaba diante do marido.

O filme Para sempre Alice (título original: Still Alice) narra a história de uma professora universitária, magistralmente interpretada por Julianne Moore, diagnosticada com Alzheimer. O enredo descortina diante do espectadores, de forma sensível, real e tocante o drama dessa mulher, do choque inicial diante da notícia, passando pela constatação da perda gradual da memória, até chegar a um estado semivegetativo.

A perda da memória é atroz para a personagem. Professora e pesquisadora brilhante, seu maior orgulho é a carreira construída a partir da atividade intelectual e do acúmulo de informações em seu cérebro. Agora, as memórias e seu conhecimento acadêmico simplesmente desparecem como bolhas de sabão que estouram no ar.

A opção, se possível fosse, pelo câncer em lugar do Alzheimer, sintetiza sua dor. Afinal, a sua geração, que por aproximação é também a minha, viu a doença, fantasma a assombrar nossos pais, que em virtude do terror causado não era sequer nomeada por muitos, ser, se não vencida, pelo menos domesticada. Atualmente há índices de cura inimaginados a cinquenta anos atrás.

Mas presumo que não é o fato do câncer poder ser curado e o Alzheimer não (pelo menos até hoje), que faz Alice optar o primeiro. Acho, sim, que o câncer, mesmo em suas formas mais agressivas, que produzem dores e angústias que acompanham seus portadores até o último suspiro, não nos tira aquilo que o Alzheimer rouba de nós: nossa memória e, por decorrência, nossa identidade.

É isso que Alice não consegue suportar. Deixar de ser ela mesma. Deixar de ser reconhecida. Deixar de ser Alice. Deixar de reconhecer lugares e pessoas, principalmente pessoas queridas.

Somos o que somos pela identidade que possuímos. Construída pela combinação de genes, de fatores sociais, de experiências psicológicas, de escolhas e tantas outras coisas. Somos seres de memórias e de experiências. Somos memórias e experiências. Ao perde-las nos perdermos. Passamos a ser uma mera mancha neste mundo.

O filme, belo e tocante, nos lembra das limitações e da pequenez humana. O Alzheimer é apenas uma dentre tantas situações que nos lembram disso. Somos todos, mais ou menos, Alice.

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