terça-feira, 15 de abril de 2014

A última conversa

O que dizer àquele que o gerou, que o carregou nos braços, que te deu valores fundamentais para a vida, que, enfim, o constituiu como pessoa e cuidou de você até que conseguisse andar com as próprias pernas e viver por si só?

O que dizer quando ele está ao seu lado, e talvez você nunca mais tenha a oportunidade de lhe dirigir a palavra?

O que dizer ao seu pai, quando ele está agonizando ao seu lado, em um momento em que estão a sós, situação única na vida de pai e filho?

Ele esteve doente por décadas. Cresci vendo-o sofrer. Nos últimos meses piorou e nós, os filhos, resolvemos trazê-lo para perto de mim, visto que minhas duas irmãs moravam em outras cidades.

Minha mãe cuidava dele dia e noite. Ele já estava bem debilitado pela idade e pelo desgaste que a doença, enfisema, além de outras complicações, causaram.

Certo dia, quando eu estava ministrando uma palestra, me chamaram com urgência. Cheguei ao prédio em que meus pais moravam, ao lado de minha casa, e ele estava mal. Muito mal. A ambulância do SAMU foi chamada e o transportou imediatamente para o hospital.

Zoraide, minha irmã que morava em uma cidade próxima, já havia chegado. Então, resolvemos que ela levaria minha mãe de carro ao hospital e eu iria no SAMU acompanhando meu pai.

Foi ali, junto à maca em que ele estava deitado, provavelmente em choque, já sem conseguir falar, respirando com dificuldade, que tivemos nossa última conversa.

Na realidade, não foi uma conversa. Foi um monólogo. Eu falei, ele ouviu. Mas foi o momento mais profundo que tive com meu pai em toda a minha vida. Falei como filho. Falei como homem. Falei como pastor. Mas todas essas facetas de minha vida falaram a mesma coisa: meu amor por ele, minha dificuldade em manifestar esse amor no decorrer de nossas vidas, o desejo de conviver mais com ele, a falta que ele faria para mim, o desejo de vê-lo junto a Deus no momento que se aproximava.

O motorista e seu auxiliar no banco dianteiro provavelmente me ouviram. Talvez tenham achado estranho. Talvez não. Afinal, quantos outros filhos e pais estiveram ali, naquele mesmo lugar em que eu estava? Quantos falaram as mesmas palavras que eles ouviam naquele momento?

Experimentei profunda tristeza durante o trajeto entre o apartamento e o hospital. Naqueles momentos vivenciava, de forma concreta, a limitação e a fragilidade humana. Meu pai partiria em breve e, embora eu estivesse me preparando para sua morte a algum tempo, estava surpreso e despreparado diante da dor que sentia.

Entendi que aquele era o momento da despedida e que talvez não houvesse outra oportunidade. Não o ouvi dizer que me amava, que eu era importante para ele, que eu deveria cuidar de minha mãe etc. Não foi necessário. Eu sabia disso. Embora ele não fosse uma pessoa emotiva e com expressões de carinho, seu amor pela família era um fato. O que importa é que pude dizer ao meu pai tudo que sentia, e eu sabia que o fato dele ter me visto crescer, estudar, casar, ter filhos, possuir uma profissão digna, fazia-o sentir-se orgulhoso.

Ele foi internado em uma unidade de terapia semi-intensiva. No dia seguinte pronunciou algumas palavras e depois não conseguiu mais falar. Dia a dia foi piorando e depois de 20 dias ele faleceu. Foi triste vê-lo morrer em um hospital, longe do lar e sem a presença da família em seus últimos momentos.

Meu pai partiu anos atrás e sinto sua falta. Mas consolo-me por ter podido dizer que o amava. Por ter conseguido ter a última conversa com ele.

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