sábado, 12 de abril de 2014

Espaços da alma 1



São espaços sagrados, não religiosos, embora às vezes também o sejam.

Há um universo em seu interior. Desde as primeiras ideias surgidas na humanidade até os pensamentos mais (im) prováveis e (im)possíveis de realização.

Estou falando de bibliotecas.

Elas propiciam oportunidades de encontro com outras pessoas tão diferentes e, ao mesmo tempo, tão iguais a nós. Mesmo que não entendamos plenamente o que dizem, comungamos com os autores da conspiração por construir um mundo melhor, mais justo, mais humano. Quando isso não é possível, nos associamos às denúncias que lançam ao papel, seja em manifestos, em textos acadêmicos ou em ficções.

Quero falar de um desses encontros.

Ele se deu quando eu era estudante do então primeiro grau, quinta ou sexta série. Estava com onze ou doze anos. Escola pública.
Havia uma biblioteca que ficava... no porão. Isso mesmo, já naquela época, final dos anos setenta do século passado, esse era o espaço reservado para a fonte de conhecimento humano e lugar de pesquisa, quase nunca frequentado por alunos e professores.

Eu a encontrei. Devo reconhecer que possivelmente pelo fato de que havia uma mesa de ping-pong no porão da escola. Então, entre uma raquetada e outra, notei aquela sala meio esquecida no subsolo da humanidade.

Entrei. Olhei... olhei... e, de repente, ah, aquilo sim eu queria ler! A coleção de clássicos da literatura juvenil, publicada pela Editora Abril em cinquenta volumes. Era muita coisa, mas muita coisa mesmo para um menino de onze anos!

Mas encarei o desafio. Havia títulos como A ilha do tesouro, Conde de Monte Cristo, Os três mosqueteiros, Ben-Hur, Hobin Hood, Ivanhoé, Robson Crusoé, Vinte mil léguas submarinas, Volta ao mundo em oitenta dias, Rei Artur e seus cavaleiros, O corsário negro, O máscara de ferro, Carlos Magno e seus cavaleiros, A ilha misteriosa.

Li todos.

Em uma época onde não havia ideia de que existiria um dia a internet, em que canais de televisão paga eram um sonho de consumo inimaginável, em que as tevês coloridas ainda eram uma novidade, foram esses livros que se constituíram em porta de entrada para o mundo de fantasias. Gastei horas, dias, meses lendo.

Para a secretária da biblioteca foi um espanto que um aluno pegasse um livro após o outro, sem intervalos, com um apetite insaciável. Para meus pais, era estranho que o filho adolescente ficasse tanto tempo parado, quieto, lendo livros. Para mim, era uma revolução. Em meu cérebro e alma havia águas em tumulto, mundos submergindo, mundos surgindo com a força de uma explosão nuclear. Eu havia descoberto a literatura e o prazer de ler.

Nunca mais deixei os livros. Minhas leituras se tornaram heterodoxas, indo dos gibis à teses doutorais. Como professor, leio por obrigação profissional, mas também por prazer. Mas a imagem de piratas, mosqueteiros, arqueiros, reis, cavaleiros nunca mais deixaram minha mente. Mesmo diante de textos complexos, difíceis de serem entendidos, percebo às vezes a sombra de uma capa, a forma de uma espada, o vento do mar, a voz de um rei lembrando-me que a leitura traz mistérios e prazeres que inundam a alma.

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